Os pacientes vítimas de TCE são a quarta principal causa de mortalidade nos EUA nos últimos 40 anos, enquanto que entre as pessoas de 1 a 45 anos se encontram em primeiro lugar. A mortalidade dos pacientes vítimas de TCE está em torno de 40% e não está limitada somente aos países desenvolvidos, sendo o TCE bastante presente em todo mundo. Infelizmente, mais da metade das mortes por TCE ocorre no local do trauma, sem tempo hábil para reanimação. O TCE constitui qualquer agressão que acarrete lesão anatômica ou comprometimento funcional do couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo. É a causa de morte mais frequente entre os 2 e 42 anos de idade.
Neurocirurgião
A incidência de TCE é maior para homens que para mulheres em mais de 2:1. Mais de 50% dos pacientes com TCE está entre as idades de 15 e 24 anos.
As lesões primárias ocorrem segundo a biomecânica que determina o trauma. As lesões secundárias ocorrem segundo alterações estruturais encefálicas decorrentes da lesão primária bem como de alterações sistêmicas decorrentes do traumatismo. O objetivo principal do tratamento é evitar ou minimizar as lesões cerebrais secundárias.
TIPOS DE LESÕES CEREBRAIS
Concussão é o traumatismo craniano fechado sem lesão estrutural macroscópica do encéfalo. Há alteração temporária da função cerebral, mais evidente logo após o traumatismo, tendendo a melhorar em 24 horas. A concussão caracteriza-se pela perda de consciência, frequente amnésia (esquecimento) do evento, letargia temporária, irritabilidade, e disfunção de memória. Não tem curso fatal. A perda de consciência deve ser breve, sendo definida arbitrariamente, com duração inferior a 6 horas.
Lesão axonal difusa ocorre quando a perda de consciência é superior a 6 horas. Caracteriza-se por estiramento dos neurônios em decorrência dos movimentos súbitos de aceleração e desaceleração. Pode ser dividida de acordo com a duração do coma e o prognóstico depende da sua duração. Os comas mais prolongados podem estar associados a sinais focais ou edema, e têm prognóstico mais desfavorável.
Tumefação cerebral pode ser devida a edema cerebral (aumento do teor de água extravascular) ou por aumento da volemia do cérebro pela vasodilatação anormal. A tumefação pode ser difusa ou focal.
Contusão cerebral caracteriza-se por lesão estrutural do tecido encefálico e pode ser demonstrada pela tomografia computadorizada de crânio como pequenas áreas de hemorragia. Edema cerebral é comum. As contusões, em geral, produzem alterações neurológicas que persistem por mais de 24 horas. As manifestações clínicas são déficits neurológicos focais, como paralisias, transtornos da linguagem, alterações da memória e do afeto e, mais raramente, alterações visuais. Os déficits neurológicos podem persistir como sequelas.
Hematoma epidural (localizado entre a calota craniana e a membrana mais externa de revestimento do cérebro) ocorre entre 1 a 3% dos TCEs. São lesões associadas a fraturas que laceram uma das artérias ou veias meníngeas. Em geral há perda da consciência logo após o trauma com recuperação após alguns minutos ou horas. Entretanto, posteriormente, o paciente começa a ficar letárgico e ocorre deterioração neurológica, podendo haver herniação cerebral se não tratado. Alterações pupilares e hemiparesia (dificuldade de movimento em um lado do corpo) contralateral ao local da lesão, associadas a alterações da consciência são os achados mais comuns ao exame físico. Cirurgia para drenagem do hematoma é o tratamento de escolha.
Hematoma subdural agudo (localizado entre as membranas que revestem o cérebro) é encontrado, frequentemente, em pacientes que sofrem traumatismo decorrente de aceleração e desaceleração em altas velocidades. Pode ser simples e tem bom prognóstico quando não há lesão cerebral associada. Hematomas subdurais complicados são acompanhados de laceração do parênquima e dos vasos. O quadro clínico se caracteriza, geralmente, por coma e por diversos graus de alterações focais. O tratamento pode ser cirúrgico ou não, dependendo do tipo e da extensão das lesões.
Hematoma subdural crônico tem apresentação tardia, pelo menos 20 dias depois do trauma. É mais comum em crianças e em idosos. Alcoolismo, epilepsia, uso de anticoagulantes, diálise renal predispõem os pacientes a terem essa complicação. O quadro clínico é insidioso, caracterizado por confusão, distúrbios de memória, apatia e alteração de personalidade. Dor de cabeça é comum. O diagnóstico é feito através da tomografia computadorizada de crânio. Em geral, o tratamento é cirúrgico.
DIAGNÓSTICO
As informações sobre o evento traumático devem ser colhidas de observadores. Deve-se procurar saber sobre a causa do traumatismo, a intensidade do impacto, a presença de sintomas neurológicos, convulsões, diminuição de força, alteração da linguagem e, sobretudo, deve-se documentar qualquer relato de perda de consciência. A amnésia para o evento é comum nas concussões. Pode haver, também, perda de memória retrógrada (para eventos ocorridos antes do trauma) ou anterógrada (para os eventos que se sucederam logo após o trauma). A amnésia é característica dos TCEs que cursam com perda de consciência. Amnésia cuja duração é superior a 24 horas é indicativa de que o TCE foi mais intenso, e pode estar relacionada com prognóstico menos favorável. A amnésia de curta duração não tem maior significado clínico. A alteração da consciência é o sintoma mais comum dos TCEs. A breve perda de contato com o meio é característica da concussão. O coma pode durar horas, dias ou semanas, dependendo da gravidade e localização da lesão. Lesões difusas do encéfalo ou do tronco encefálico podem levar a comas prolongados, sobretudo quando há contusão ou laceração de amplas áreas cerebrais, tumefação ou edema importante. A melhora do nível de consciência tem relação direta com o grau de lesão. Dor de cabeça intensa, sobretudo unilateral, pode indicar lesão expansiva intracraniana, sendo necessária investigação neurológica cuidadosa.
EXAME FÍSICO
O exame físico inicial, na fase aguda, deve ser rápido e objetivo. É importante lembrar que pacientes com TCE são politraumatizados, sendo frequente a associação com traumatismos torácicos, abdominais e fraturas. Hipóxia, hipotensão, hipo ou hiperglicemia, efeito de drogas narcóticas, e lesões instáveis da coluna vertebral devem ser procurados e convenientemente tratados. O propósito do exame neurológico inicial é determinar as funções dos hemisférios cerebrais e do tronco encefálico. Os exames subsequentes são importantes para verificar a evolução do paciente, se está havendo melhora ou deterioração do seu quadro clínico. Escalas neurológicas foram desenhadas para permitir quantificar o exame neurológico. A escala de coma de Glasgow é uma medida semiquantitativa do grau de envolvimento cerebral, que também orienta o prognóstico (Tabela 1). Entretanto, não é válida para pacientes em choque ou intoxicados. A presença de traumatismo dos olhos e da medula espinhal dificulta a avaliação. A escala consiste em pontuar os achados do exame neurológico, avaliando a resposta verbal, a abertura dos olhos, e a resposta motora.
A soma de pontos para um paciente completamente lúcido e orientado é 15. A soma para um paciente afásico, imóvel e sem abertura dos olhos é 3. O exame neurológico deve incluir, ainda, avaliação dos nervos cranianos e exame de fundo de olho (para verificar a presença de edema de papila presente no edema cerebral ou na hipertensão intracraniana). Os reflexos pupilares e os movimentos oculares devem, também, ser avaliados.
Exames Complementares
- Radiografia de crânio nas incidências ântero-posterior e lateral. As fraturas da convexidade são geralmente bem visíveis, mas as fraturas da base podem ser vistas em menos de 10% dos casos;
- A tomografia computadorizada de crânio pode demonstrar fraturas, hematomas intra e extracerebrais, áreas de contusão, edema cerebral, hidrocefalia, e sinais de herniação cerebral;
- A ressonância magnética permite verificar a presença de lesões de difícil visualização à tomografia computadorizada, como hematomas subdurais, além de definir melhor a presença de edema. Entretanto, é um exame prolongado, o que dificulta a sua realização de rotina em pacientes com TCE;
- A angiografia cerebral é indicada para avaliar lesões vasculares no pescoço ou na base do crânio.
Síndromes Neurológicas após TCE
Após resolução das urgências clínicas e neurológicas que ocorrem nas fases iniciais do atendimento a pessoas que sofreram TCE, inicia-se um longo processo de recuperação que tem características peculiares e que pode esbarrar com complicações muitas vezes inevitáveis relacionadas ao traumatismo. São elas:
- Epilepsia;
- Alterações Motoras;
- Hidrocefalia;
- Disfunção Autonômica;
- Lesão de Nervos Cranianos;
- Alterações Cognitivas e Neuropsicológicas;
- Alterações de Comportamento.
Prognóstico
O prognóstico, ou previsão do grau de recuperação dos pacientes, é bastante variável. Talvez, o principal fator prognóstico seja a gravidade do trauma. A gravidade tem sido aferida de diversas formas, como a duração da amnésia pós-traumática, o período de tempo transcorrido até que o paciente comece a responder a comandos verbais e o comprometimento do nível de consciência nas horas que sucedem ao acidente. O parâmetro mais usado é a aferição da gravidade e duração do comprometimento da consciência após o TCE, que é feita através da Escala de Coma de Glasgow. Baseado nessa escala, pacientes com pontuação inicial entre 3 a 8 são classificados como graves, aqueles com pontuação entre 9 a 12 como moderados e os demais como leves. Algumas vezes, pacientes com TCE leve ou moderado apresentam lesões focais detectadas através do exame neurológico ou radiológico, o que torna o prognóstico pior. Com base nessa classificação de gravidade do TCE, é possível se fazer algumas considerações em termos de prognóstico: o TCE grave geralmente cursa com mortalidade na fase inicial de mais de 50% e dentre os sobreviventes, 30% tem uma recuperação regular ou boa após 6 meses. O TCE moderado tem mortalidade de menos de 10% e muitos pacientes ficam apenas com sequelas leves. O TCE leve raramente resulta em morte e o paciente geralmente é capaz de retomar uma vida normal. A avaliação do prognóstico não é precisa, sendo frequentes os casos de recuperação melhor ou pior do que o previsto. Além da Escala de Coma de Glasgow, outros fatores têm sido relacionados a um melhor prognóstico: idade < 40 anos, TCE único, duração do estado de coma < 2 semanas, amnésia pós-traumática < 2 semanas, ausência de lesões intracerebrais expansivas, ausência de hipertensão intracraniana, ausência de isquemia ou hipóxia cerebral, ausência de atrofia cerebral e reabilitação precoce. Não há dúvida quanto à capacidade de recuperação cerebral após as lesões sofridas em virtude de traumatismo. Os mecanismos dessa recuperação é que não são completamente conhecidos. Existem algumas teorias a respeito. Uma vez que o paciente tem seu quadro clínico e neurológico estabilizado após o TCE, o cérebro passa a ter condições ‘ideais’ de funcionamento, que independe de modificações intrínsecas. Os mecanismos através dos quais o cérebro passa a recuperar funções podem ser, entre outros, os seguintes: áreas não lesadas podem exercer funções de áreas lesadas, conexões perdidas podem se restabelecer e pode haver reorganização dos neurotransmissores. Muito se tem pesquisado sobre este tema e espera-se que haja cada vez mais recursos a oferecer às pessoas que sofreram traumatismo cranioencefálico.
Dr. Marcel Rozin Pierobon
Neurocirurgião
Por: Saúde Atual
Publicado em: 16/06/2016
Fonte: http://www.saudeatual.com.br/artigos/traumatismos-cranioencefalicos-tce